Segundo biólogo agroflorestor Murilo Arantes, o modelo sustentável consiste basicamente em associar de forma harmônica cultivos agrícolas com a flora típica e pode ser adotado com sucesso em zonas urbanas, seja em áreas de grande extensão ou até mesmo no quintal de casa
Ocupando hoje mais de 13 milhões de hectares, os sistemas agroflorestais (SAFs) vêm sendo cultivados de forma mais intensificada no Brasil desde a década de 1980. Atualmente, o país conta com vários tipos de SAFs, que vão desde os quintais agroflorestais familiares, os quais são característicos das regiões de Mata Atlântica, até grandes consórcios comerciais, a exemplo da produção do café sombreado. A técnica tem sido vista por muitos especialistas como alternativa viável para atender os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Mas uma experiência inovadora na cidade de Aparecida de Goiânia, região metropolitana de Goiânia, tem usado o sistema agroflorestal também para compor o projeto paisagístico de um grande condomínio residencial. A técnica de reflorestamento, que consiste basicamente em associar de forma harmônica cultivos agrícolas com a flora típica, foi incluída no projeto do condomínio Parqville Figueira, da Cinq Desenvolvimento Imobiliário. O método foi levado em conta pelos incorporadores após a descoberta de dois olhos d’água (nascentes), detectados durante o desenvolvimento do projeto do empreendimento.
De acordo com o biólogo agroflorestor Murilo Arantes, responsável pela implantação da agrofloresta no Parqville Figueira, a previsão é de que o plantio das cerca de 3.300 mudas siga até o final de outubro, numa área de 2,4 hectares. Depois virá a fase de manutenção e produção de alimentos. “As primeiras serão as hortaliças, mandioca, banana, entre outras que precisam receber mais sol. Quando o condomínio ficar pronto, a agrofloresta continuará produzindo. O que mudará é o tipo de alimento, pois as espécies vão se alterando na medida em que a copa das árvores aumenta”, destaca Murilo.
Espécies nativas
Vale ressaltar que as espécies escolhidas para o reflorestamento da área verde do condomínio são, prioritariamente, espécies de mata nativa que irão ajudar a recompor a vegetação ciliar que existia no local, com muitas espécies de grande porte e frutíferas. “Em algumas áreas, teremos uma restauração pensando no cerrado mais aberto, chamado stricto sensu (em sentido estrito), onde terão frutas como cagaita, murici, pitomba, mamacadela, entre outras, que muitas pessoas nem conhecem mais. Então, além da restauração da mata ciliar, restauramos também espécies do cerrado”, conclui o especialista.
Conforme informa Murilo Arantes, o trabalho da agrofloresta é inspirado na própria natureza, na formação natural das florestas. “Quando observamos como uma agrofloresta se reestrutura, vemos que ela utiliza de espécies de ciclos curto, médio e longo durante seu processo de regeneração. Ou seja, em simbiose, as espécies se desenvolvem com a biodiversidade contribuindo para o enriquecimento do solo, favorecimento da biodiversidade e produção de alimentos”, pontua.
A técnica de plantio agroflorestal, que mistura árvores frutíferas e de grande porte em conjunto com hortaliças, pode ser facilmente replicada no quintal de casa ou na sacada do apartamento, segundo explica o biólogo. “O segredo está na adequação do meio em que as espécies estão inseridas, e na combinação entre elas. Por exemplo, plantas que necessitam de mais sol e são de ciclo curto, como o caso das hortaliças de pequeno porte, podem ser plantadas próximas a mamoeiros e bananeiras, já que ambas possuem um crescimento mais lento”, destaca.
Em qualquer espaço
O biólogo Murilo Arantes ressalta que mesmo em áreas urbanas, a adoção das técnicas de agrofloresta são altamente viáveis. Ele esclarece que onde hoje se vê prédios, casas e ruas, antes era uma área natural com sua formação nativa, bem como os parques que vemos na cidade, que são um resquício da vegetação que um dia fez parte daquele lugar. “Qualquer ocupação urbana pode favorecer para que aquela estrutura de floresta se estabeleça novamente, seja numa praça, no quintal de uma casa ou num condomínio, porque um dia isso já fez parte dela”, complementa.
Murilo Arantes esclarece que é essencial fazer uma distribuição adequada das espécies arbóreas e alimentícias com certo nível de organização, respeitando o espaçamento entre uma e outra. “As espécies alimentícias, como as hortaliças, que naturalmente são mais exigentes em luz e tendem a ser de ciclo curto e médio, devem ser plantadas próximas às espécies arbóreas, para auxiliar no desenvolvimento das mesmas”, salienta.
Ainda de acordo com Murilo, para que uma agrofloresta seja produtiva e se desenvolva bem e em harmonia, independente de onde está inserida, o segredo está na realização regular das podas. “Por exemplo, se plantarmos um pé de acerola, que é uma planta de porte baixo mas que precisa de muita luz, ao lado de um pé de ingá ou um abacateiro, que são mais altos e de ciclo longo, eles precisarão ser podados regularmente”, diz.
Para Murilo, após o plantio de qualquer espécie, seja uma flor, uma planta medicinal ou um tempero, mesmo que numa floreira ou em um canteirinho de uma sacada, é necessário reproduzir o solo de floresta através de uma adubação orgânica, com esterco ou cinza, e cobrir com folha seca, serragem ou poda de grama. “Essa cobertura do solo é fundamental para manter a umidade e a vida do sistema agroflorestal, seja numa floreira ou numa área externa bem maior”, expõe. Outra dica dada pelo biólogo agroflorestor é nunca cultivar uma espécie sozinha. “Se for plantar um manjericão, plante também uma hortelã, uma batata doce, porque as plantas trocam nutrientes entre as raízes, elas se comunicam. Uma planta favorece a defesa e a nutrição da outra”, orienta.
Parqville Figueira
O condomínio, que terá uma infraestrutura completa de lazer e acessibilidade, receberá 295 famílias. Além de contar com a agrofloresta, terá também a primeira fazenda urbana, ideia inspirada nos projetos norte-americanos visitados em uma missão técnica realizada pela CINQ em 2018, nos estados da Flórida, Geórgia, Alabama e Carolina do Sul. Ela terá capacidade de produção de 100 cestas por semana, com 10 itens cada. Isso equivale a 1.000 itens (pés de hortaliças) semanais e 4.000 que poderão ser colhidos mensalmente.
Mais do que uma horta a um passo do quintal, a fazenda urbana gera benefícios como alimentação natural, sustentabilidade, autogestão, inclusão social e uma vida comunitária próspera. “O cultivo alimentar próximo de quem vai consumir, elimina a necessidade de transporte, e consequentemente a emissão de carbono pelos veículos, o desperdício gerado na distribuição, diminui os custos de produção”, diz Eduardo Oliveira, sócio-diretor da CINQ Desenvolvimento Imobiliário, que acredita ser o projeto uma contribuição para consolidar uma nova mentalidade no desenvolvimento urbano, em consonância com as diretrizes ambientais da ONU.