O condomínio como espaço de convivência

Na modernidade, as relações de amizade, as oportunidades de convivência, se tornaram complexas e difíceis. As pessoas estão mais próximas sim, com instrumentos de comunicação sofisticados e, ao mesmo tempo, muito distantes 

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por Josué da Silva Mello – Ex-reitor da UEFS, professor titular de Ciência Política da UEFS; ex-diretor Geral da FTC e da Faculdade 2 de Julho; vice-presidente do Conselho Estadual de Educação e membro da Academia de Letras, da Academia de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana, das Academias de Cultura e de Educação da Bahia e da Academia Nacional de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais.

Saber viver é saber morar e saber morar é saber conviver. Conviver é viver-com, com o outro, ou melhor, com outros. Nossa existência humana se constitui de relações. Nascemos e existimos em decorrência de fortes relações. Somente no relacionamento uns com os outros é que crescemos e amadurecemos. Então, não se cresce, se com-cresce. Na vida, o verbo correto é concrescer. Jean Jacques Rousseau, no século XVIII, já nos dizia que a felicidade não se encontra em cada um, mas depende de tudo aquilo que o circunda. Em verdade, dependemos uns dos outros para sobreviver e atender os desejos básicos de socialização e felicidade. Por isso as famílias se apressam em colocar os filhos nas creches, nas pré-escolas, ainda em tenra idade (entre os três primeiros aninhos de vida), não para serem alfabetizados propriamente; mas para se socializarem, para aprenderem a difícil arte da convivência. Aprendizado que segue ao longo da vida.

A nossa moradia pode servir de escola nesse aprendizado de socialização. Pode-se fazer da habitação um paraíso ou um inferno, seja ela pequena ou grande, uma casinha isolada ou uma mansão num condomínio fechado, a depender das relações de amizade e da convivência que se cultive com os vizinhos. Assim concebida, a convivência passa a ser a argamassa, o elemento responsável pela construção de uma moradia saudável, geradora de felicidade.

Em tempos idos, a convivência entre as pessoas era menos complexa, quer no campo ou nas cidades, exercia-se espontaneamente entre a vizinhança, nas praças das cidades, nos encontros na Igreja, nas calçadas das ruas, nos “footings” dos finais de tarde. Os vizinhos eram os melhores amigos. Na modernidade, as relações de amizade, as oportunidades de convivência, se tornaram complexas e difíceis. As pessoas estão mais próximas sim, com instrumentos de comunicação sofisticados e, ao mesmo tempo, muito distantes; habitam juntas no mesmo espaço e nem se conhecem, e quando o fazem, na maioria das vezes, não se entendem e os conflitos predominam. As transformações que ocorrem na sociedade se, por um lado, trazem avanços tecnológicos deveras importantes, por outro, resultam em perdas incalculáveis na vida comunitária, nas relações de convivência, que terminam por afetar a qualidade de vida das pessoas.

Em menos de um século, o mundo se urbanizou. As cidades cresceram numa velocidade fantástica. Os espaços urbanos ficaram pequenos para abrigar imensos contingentes populacionais que se deslocaram do campo, fazendo emergir novos modelos habitacionais, entre os quais se destacam os mocambos, as favelas, os loteamentos, e, mais modernamente, os condomínios de apartamentos em prédios verticais e os condomínios horizontais de lotes e de casas. Transformações que se impuseram a todas as sociedades humanas, antigas e modernas, mormente à sociedade brasileira, onde o fenômeno das migrações internas ocorreu de forma mais intensa.

A experiência moderna de habitação em Condomínios, verticais ou horizontais, abertos ou fechados, pode, igualmente, se constituir numa escola privilegiada de aprendizado de convivência. Aprendizado certamente difícil, porém possível, desde que sejam observadas, ao menos, duas questões fundamentais:
A primeira diz respeito à natureza jurídica da habitação. Como é por todos sabido, “condomínio” é espaço particular, privado e privativo, e, ao mesmo tempo, uma sociedade coletiva, onde o “domínio” é parcial, domínio com o outro ou com outrem. Segundo Aurélio, “Condomínio” é domínio-com, domínio exercido juntamente com outrem, co-propriedade. A palavra é derivada de condominium que, traduzida do latim, quer dizer domínio de todos. Embora se tenha o título de propriedade do apartamento ou da casa, há áreas comuns compartilhadas onde existem padrões a serem seguidos, regras, normas e decisões a serem obedecidas. E nisso está a oportunidade de se aprender a viver coletivamente como cidadãos empreendedores, partícipes e construtores de relações que gerem convivências saudáveis para as atuais e futuras gerações.

A segunda questão atenta para o desafio e a oportunidade da convivência com pessoas diversas, de formação e culturas diferentes. O desafio aqui posto é de se aprender a viver e viver – com as diferenças, viver socialmente e em coletividade, para vivenciar a privacidade, a segurança, a paz comunitária e a qualidade de vida que tanto se almeja.

Urge, dessa forma, que os projetos de construção habitacional se inspirem nos princípios da geobiologia e da sustentabilidade e a arquitetura contemple, em qualquer padrão, espaços coletivos que proporcionem a desejada integração comunitária, como salão de eventos, sala de cinema, de ginástica, áreas apropriadas para variadas modalidades esportivas, equipamentos apropriados para a convivência das crianças, dos adolescentes e jovens, praças e jardins acolhedores, que estimulem o encontro dos moradores, cabendo ainda à administração do Condomínio a implementação de mecanismos que promovam a integração, o bom relacionamento e a cultura da convivência entre os seus habitantes.

Desenvolver a cultura da convivência é a condição maior para a realização da moradia saudável.

Artigo publicado na versão impressa da revista Sacada.

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