Matéria publicada na versão impressa da revista Sacada
A sociedade desses dias vive o dilema de muito construir sem preservar: construímos em uma velocidade nunca vista, mas não preservamos com a mesma intensidade ou não criamos mecanismos que possibilitem a renovação da natureza, nem mesmo a preservação da memória coletiva.
O homem sempre procurou abrigo e, nas diversas sociedades, esses abrigos são construídos das formas mais diversificadas: barracos, apartamentos, casas, galhos de árvores, iglus e tantos outros que conseguiram proteger os homens de inimigos e de fenômenos naturais que provocam dor e morte.
A sociedade brasileira, embalada pelas mudanças estruturais e econômicas mais recentes, passou a construir moradias em uma velocidade nunca dantes vista; além disso, todos os espaços passaram a ser ocupados com “utilidade”, rendendo mais dinheiro para seus proprietários: a construção passou a fazer parte da rotina de muita gente.
Toda essa onda de construção, de derrubar para levantar, nos faz pensar que a lógica habitacional merece ser vista com certo romantismo e poesia, a final de contas vivemos em um processo de construção constante em nossa própria rotina diária – e porque não dizer em nossa própria existência. É preciso, portanto, construir com sustentabilidade sem destruir a memória.
Chico Buarque de Holanda em seu poema musicado Construção já alertava para os dilemas do homem que está envolvido no sobe e desce de uma obra: considere a poesia em plena ditadura militar no Brasil. Dizia ele que o operário “subiu a construção como se fosse máquina” ou “subiu a construção como se fosse sólido”, dilemas do brasileiro que lutava contra um regime de exceção.
Pensar nessa questão com certo romantismo e saudosismo é conseguir perceber, no desabafo do Cidadão, além de uma melodia um discurso crítico frente à falta de inclusão social: “Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar”.
Talvez o operário da construção civil já possa olhar para a casa que constrói e se ver em um futuro próximo morando ali. Não mais numa visão humorística, infantilizada da ideia de que “era uma casa muito engraçada, não tinha teto não tinha nada”. Ainda é preciso avançar muito e garantir moradia digna para a população, mas não podemos negar os avanços para que alguns consigam acreditar que é possível “ter na vida simplesmente um lugar de mato verde pra plantar e pra colher, ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela para ver o sol nascer”.
Talvez eu nunca consiga ver que “a casa dos meus sonhos é feita de ilusão e vive sempre cheia de amor”, mas não me faltará razão alguma para relembrar com saudade da casinha com alicerce bem feito, que a chuva vinha e não derrubava, o vento batia e ela resistia, não abalava – como não abalam nossas lembranças, nossa saudade, nossa memória. Isso me faz pensar no Mestre por excelência, profundo conhecedor de todas as coisas. Sobre construção, Ele dizia que era necessário investir no alicerce, bem seguro, na rocha que nada abalaria, nem os modismos, nem as inovações, mas a boa casa se manteria firme, resistente ao tempo…