
Em Hollywood, onde cenários milionários são erguidos e desmontados em questão de dias, o desperdício se tornou parte do processo de filmagem. Mas uma brasileira vem questionando esse modelo e propondo alternativas. Juliana Guedes, arquiteta e production designer radicada em Los Angeles, defende que a sustentabilidade deve ser parte essencial da indústria audiovisual — e não apenas um detalhe estético.
Com produções Bodies Will Tumble and Roll (ainda em negociação com streamings) – como designer de produção , Meathook (Amazon Prime) – como diretora de arte, e o curta-metragem premiado no The Monthly Film Festival, no Reino Unido, – And We’ll Be Okay – que também assina como production designer, Juliana Guedes prova que o cenário não é apenas pano de fundo — ele é um personagem silencioso que conduz emoções e ajuda a contar a história. Sua abordagem vai além da estética. É com sensibilidade e consciência que incorpora princípios de sustentabilidade para minimizar o impacto ambiental em produções como filmes, séries, comerciais e videoclipes.
“O audiovisual precisa se reinventar também no modo como constrói e consome cenários. Sustentabilidade não é só um diferencial, é parte do futuro da indústria”, afirma.
Um processo que pode envolver toneladas de madeira, MDF, tintas e materiais virgens, em altas produções, também afeta projetos menores, cujo efeito é semelhante, porém em proporções inferiores. “O desperdício em sets de filmagem é conhecido: cenários inteiros — portas, janelas, paredes, mobiliário — são descartados após o encerramento de produções, gerando mais toneladas de lixo.
No entanto, Juliana explica que já existem iniciativas estruturais sendo discutidas em Hollywood, como o comitê de sustentabilidade do Art Directors Guild, que estuda a criação de um banco de dados com cenários desmontados. “A ideia é catalogar peças como painéis, portas e janelas em galpões de armazenamento, permitindo que designers possam reaproveitar elementos em novos projetos. Isso reduziria drasticamente o lixo produzido e ainda diminuiria custos”, aponta.

Soluções criativas para reduzir desperdícios
No dia a dia, Juliana aplica práticas conscientes em suas produções: reutilização de peças, parcerias para doação de materiais, aluguel de acervos de estúdios como a Warner Brothers e uso de brechós, lojas de produtos de segunda mão e plataformas como Craigslist, OfferUp e Facebook Marketplace – comuns nos EUA.
“O problema é global, mas no audiovisual fica mais evidente porque os sets precisam ser criados do zero, muitas vezes para cenas que duram poucos minutos. Minha proposta é sempre pensar no ciclo de vida dos objetos. Se não é possível reaproveitar, é essencial planejar a doação ou o aluguel, evitando compras desnecessárias”, explica.
Mas para isso é preciso também uma mudança de mentalidade na indústria. Apesar dos desafios, Juliana enxerga avanços. “Já há estúdios que se associam a organizações em busca de práticas mais sustentáveis, mas o processo é lento. A mudança precisa começar desde o planejamento da produção: pensar no destino final de cada item usado no set”, diz.
Juliana acredita que a transformação sustentável nos bastidores do audiovisual deve acontecer **de fora para dentro** — não apenas dentro da indústria, mas também com a participação ativa das equipes e do público. “A sustentabilidade deixou de ser um conceito distante. Quando profissionais e espectadores passam a valorizar produções eco-friendly, as produtoras se veem pressionadas a repensar seus processos. O cinema sempre foi sobre imaginação e transformação — agora é hora de usar essa criatividade também para cuidar do planeta.”
Da arquitetura em São Paulo ao cinema em Los Angeles
Antes de mergulhar no Design de Produção, Juliana construiu uma sólida carreira na cenografia de eventos, onde descobriu sua vocação para o entretenimento. Essa paixão a levou a Londres, onde fez mestrado em Design de Produção e deu os primeiros passos fora do Brasil.
Em 2018, pouco antes de se mudar para Los Angeles, Juliana assistiu à 90ª edição do Oscar e ficou fascinada com o cenário. A curiosidade a levou ao LinkedIn do premiado designer Derek McLane, responsável pelo projeto. Criando coragem, enviou-lhe uma mensagem pedindo conselhos sobre a transição para a indústria do cinema. Para sua surpresa, McLane não apenas respondeu, mas também sugeriu uma ligação por vídeo. “Conversamos por quase uma hora. Ele foi generoso e me deu conselhos que guardo até hoje. Para mim, que estava mudando de país em busca de um sonho, aquele gesto significou muito”, relata Juliana que acredita no networking e na construção de relacionamentos profissionais como elementos importantes para prosperar na indústria.
Mais do que uma profissão, Juliana vê a arte como parte essencial de sua identidade. “Sou movida pela alegria de criar. Gosto de colocar a mão na massa e me envolver em trabalhos que reúnem arte, design e arquitetura. Tudo isso se traduz nas histórias que quero contar por meio do cinema.” Conclui.