As transformações do mercado da construção civil também trouxeram oportunidades diversificadas para a atuação feminina
por Julia do Monte
Há cerca de seis anos, algo novo começou a modificar o mercado da construção civil: a presença considerável de mulheres. Alguns motivos justificam o ingresso cada vez maior dessas profissionais nesse segmento de atuação, como por exemplo, a escassez de mão de obra qualificada. Nos últimos anos, a demanda nesse setor cresceu bastante devido às obras para as Olimpíadas e para a Copa do Mundo, e aos diversos programas governamentais, como o “Minha Casa Minha Vida”. Nesse contexto, o aumento na contratação de mulheres tornou-se realidade.
Nos canteiros de obras, as operárias já são preferidas nas etapas que exigem mais detalhes e capricho, como nos acabamentos, limpeza de esquadrias de vidro, pintura e emassamento de cerâmica, por exemplo. A habilidade para lidar com situações inusitadas, o espírito de liderança e a capacidade de executar e gerenciar várias tarefas ao mesmo tempo são alguns dos diferenciais apontados pelos empregadores e por quem coloca em prática essas características femininas.
“A mulher que trabalha na construção civil tem que ter o que chamamos de ‘pulso’, saber impor suas ideias, seus conhecimentos, procurando sempre deixar claro que o respeito tem que ser colocado em primeiro lugar. Acho que a mulher tem se destacado, pois é mais detalhista, tem uma percepção minuciosa tanto na elaboração do projeto, como na execução”, afirmou Milena Passos, engenheira civil do Alphaville Feira de Santana.
As transformações do mercado da construção civil também trouxeram oportunidades diversificadas para a atuação feminina. O fato é que elas, atualmente, ocupam funções nos canteiros de obras, no comando das construtoras e também em diversas funções administrativas.
De acordo com a coordenadora comercial da Damha Urbanizadora em Feira de Santana, Dayana Silva, sempre há rótulos e diferenças em qualquer relação que envolva mulheres em profissões consideradas tipicamente masculinas. “Com a crescente demanda da indústria por mão de obra, no entanto, as mulheres têm se misturado aos homens com naturalidade, demonstrando condições de realizar as tarefas com tanta competência quanto eles”, destacou.
O ambiente acadêmico também tem registrado o aumento crescente de mulheres ocupando vagas de docência e de alunas nos cursos de Engenharia Civil. Dados do Ministério da Educação (MEC), de 2011, mostram que o número de mulheres cursando engenharia cresceu 67,8% em 20 anos. Em contrapartida, o de homens aumentou apenas 38,7%. Ainda segundo o MEC, as mulheres já são maioria na obtenção de títulos de mestrado e doutorado, o que proporciona que elas ocupem posições de destaque nos cursos de engenharia.
Exemplo disso é a engenheira civil e coordenadora do curso da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB) Fernanda Costa. Segundo ela, que escolheu a carreira acadêmica por causa da excelência que viu em três professores que teve na graduação, esse é um bom caminho para quem tem aptidão em ensino, pesquisa e extensão. E, em se tratando da atuação de mulheres no âmbito da engenharia civil, a professora confirma que a presença delas tem mesmo crescido consideravelmente.
“No curso de Engenharia Civil da UFRB, por exemplo, de 12 professores que lecionam as disciplinas profissionalizantes, quatro são mulheres. Se formos considerar do primeiro ao décimo semestre do curso, as mulheres representam 25% em relação ao total de professores. É uma participação significativa e mostra o quanto nós estamos ocupando os mais diversos lugares do mercado do trabalho”, considerou a docente.
DEPOIMENTOS
CAROLINE MARTINS – Engenheira da MA. Almeida
Minha relação com meus colegas é muito boa. Não existe nenhum tratamento diferenciado, muito menos resistência por parte deles. O mercado da construção civil continua em crescimento e, hoje, não vejo nenhum preconceito das construtoras na contratação de mulheres, tanto para cargos de gerência quanto para operárias das obras. A empresa que trabalho, por exemplo, conta com 50% do setor de engenharia preenchido por engenheiras.
DAYANA SILVA – Coordenadora comercial da Damha Urbanizadora
Atuo no setor da construção civil há dois anos. O grande desafio para mim, e acredito que para outras mulheres, é a conciliação entre trabalho e família, estudos, lazer. Além disso, questões como resiliência em negociações mais longas, situações inesperadas, necessidade constante de atualização. Porém, quando se faz o que se gosta, o desafio é apenas combustível para vencer todas as intempéries que a jornada apresenta.
FERNANDA COSTA – Coordenadora do curso de Engenharia Civil da UFRB
Passei no vestibular em 1997 e, tradicionalmente, os cursos de Engenharia eram pouco cobiçados por pessoas do sexo feminino, por ter relações com trabalho bruto, pesado e muito contato com operários. Quando havia mulher na área, estavam atuando mais em escritórios, desenvolvendo projetos. A necessidade de comandar equipes de trabalho quase que em sua totalidade, durante décadas, somente compostas por homens, nos distanciava do mundo da Engenharia. Hoje, isso mudou!
MILENA PASSOS – Engenheira civil do Alphaville Feira de Santana
Comecei o curso em 2009 e, quando escolhi a Engenharia Civil, percebi uma certa resistência por parte de amigos e familiares, por ser uma profissão mais masculina. Posso dizer que 90% dos meus colegas de trabalho são homens, porém a relação é bastante saudável e respeitosa. Nunca sofri preconceito por ser mulher e atuar como engenheira. As minhas opiniões e decisões sempre foram bem aceitas.
Matéria publicada na versão impressa da revista Sacada