” A cidade como o habitat humano se torna, por conseguinte, o espaço próprio das demandas, das agendas, das exigências, da política”.
– Josué Mello
por Josué Mello, membro da Academia de Letras, da Academia de Educação e do IGH de Feira de Santana, da Academia de Cultura, de Educação da Bahia e da Academia Nacional de Ciências Políticas, Sociais e Econômicas.
O mundo é urbano. Quase urbano. A tendência é se tornar plenamente urbano. Nas próximas décadas o planeta alcançará a maior onda de urbanização da história. A previsão dos analistas demográficos indica que em 2050 o planeta terá oito vezes mais pessoas habitando as cidades do que existia na metade do século passado. Em nosso País, mais de 80% da população habitam as cidades. Nas próximas décadas até o que resta de mundo rural se transformará em espaços urbanos. A cultura, os estilos de vida das pessoas, também se urbanizam, impactados pela globalização e pela democratização dos avanços tecnológicos. É a nova história política da humanidade. Começa a se cumprir o que fôra anunciado por Pierre Mauray ( Ex-Primeiro Ministro da França e Prefeito de Lille) na abertura do Habitat I : “O Século XVIII foi o século das grandes Repúblicas. O século XIX foi o século das nacionalidades. O século XX foi o século dos Estados Nacionais. E o século XXI será o século das cidades e dos cidadãos”.
Urge, pois, fortalecer o espaço urbano, cuidar bem da cidade. Na cidade está o futuro do País e da população. É nela que tudo acontece. Do nascimento ao sepultamento. A cidade tem papel decisivo no desenvolvimento econômico e social das nações e na qualidade de vida das pessoas. A Agenda 21 já destacava essa importância e recomendava aos governantes investirem mais – e muito mais – nas cidades e nos cidadãos. É uma questão de lógica. Se é nas cidades que as pessoas vivem, então as cidades devem ser tratadas como fins, como espaços políticos privilegiados, porquanto são responsáveis pela qualidade de vida e pela felicidade das pessoas. Afinal de contas, é na cidade que as pessoas nascem, crescem, educam-se, comem, dormem, trabalham, amam-se e odeiam-se, vivem e morrem. Nas cidades pequenas, médias e grandes convivem pobres e ricos, homens e mulheres, crianças e velhos, mendigos, analfabetos e doutores, católicos, protestantes, espíritas, ateus, empresários e operários, trabalhadores e desempregados, o malandro e o otário, gregos e troianos. Todos, absolutamente todos, com seus sonhos, carências e esperanças de uma vida melhor ou de melhorar sua qualidade de vida.
A cidade como o habitat humano se torna, por conseguinte, o espaço próprio das demandas, das agendas, das exigências, da política. Na tradição ocidental, “Civitas” e “polis” são as raízes, em distintos idiomas, para expressar, ao mesmo tempo, um modo de habitar e uma forma de participar: juntando civismo e política. Na tradição clássica, o grego e o romano não eram livres por serem homens, mas sim, por serem cidadãos de Atenas e de Roma. A primeira grande responsabilidade do homem era para com a sua cidade. Essa é a nossa tradição histórico-cultural. Por isso amamos nossas cidades, às vezes com orgulho inusitado, com sentimentos de disputa e bairrismo, cada um considerando a sua cidade melhor ou superior que a outra.
Sabe-se que cidade tem alma, tem identidade, cada uma ostenta seu nicho específico, sua vocação própria. O que diferencia uma cidade da outra, não é a largura das ruas, nem as cores das casas, mas o Projeto Estratégico de Desenvolvimento, capaz de atrair investimentos, capitais, que gerem produção, trabalho e renda para os habitantes, ambientes acolhedores capazes de propiciar conforto, lazer, segurança, melhoria da qualidade da vida e sentimentos de felicidades.
Urge, portanto, pensar ou repensar a cidade. O mundo, muito menos o Brasil, não se preparou para o radical fenômeno da urbanização, para o deslocamento em massa de sua população das áreas rurais para os centros urbanos, inchando, em curto espaço de tempo, nossas cidades desde as pequenas, alcançando com maior intensidade as médias e grandes. Fenômeno que certamente se ampliará nas próximas décadas, quando toda a população tende a se tornar plenamente urbana.
O desafio do homem, do cidadão, hoje maior que ontem, em especial dos arquitetos, engenheiros, urbanistas, planejadores e gestores municipais, é participar do processo de construção ou reconstrução das cidades, fomentar projetos estratégicos de desenvolvimento sustentado, na perspectiva de se constituírem em cidades saudáveis, sustentáveis, propiciadoras das condições de felicidade. Enfim, cidades para o ser humano, onde as pessoas ocupem a centralidade e sejam, de fato, a razão de ser de toda e qualquer política pública. E em verdade os são, pois sem as pessoas as cidades não existiriam.
Felizmente, aqui e alhures, sentimentos de preocupação com o desordenamento e descaso das cidades brasileiras estão sendo evidenciados, ações danosas contra o meio ambiente são denunciadas, descompromisso e omissão dos políticos e gestores municipais são rechaçados e projetos alternativos de cidades geradoras de vida saudável e feliz são implementados, mormente nas regiões mais desenvolvidas de nosso País. Por que não também aqui em nossa Feira de Santana?
A vida saudável e feliz é um imperativo de nosso tempo. Vamos pensar nisso. Antes que as pessoas que habitam as nossas cidades venham a se angustiar e lamentar como expressou o poeta Goiá, compositor de “Saudade de minha terra” quando gravou, em 1966, um dos versos mais cantados da música sertaneja: “de que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhar”. O poeta goiano, na década de 60, auge do processo da urbanização brasileira, já identificava como missão principal das cidades, a promoção da felicidade humana. Resta para todos do nosso tempo, cidadãos, técnicos e gestores municipais, investir na construção de cidades saudáveis, promotoras de vida feliz.
Artigo publicado na versão impressa da revista Sacada.