Matéria publicada na versão impressa da revista Sacada
Os poetas cantam: “É preciso saber viver, é preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer”. E todos nos encantamos com essa verdade poética. A vida é uma dádiva, mas saber viver é uma arte, uma conquista, uma construção humana. Conquista e construção que não dependem tanto do destino ou da sorte, mas da sabedoria e dos esforços de cada um, afinal somos os construtores de nossa própria história. Não basta viver, urge viver bem.
A caminhada da vida nos ensina que o “viver bem” depende de requisitos muitos, entre tantos, queremos observar a importância da habitação sobre a qualidade de nossa vida. O espaço da moradia é fundamental para a existência humana, social e individual, pois dela depende nossa qualidade de vida. Não estamos emitindo uma opinião, ou expressando apenas uma vontade, mas apresentando, em síntese, uma constatação científica. A Geobiologia – ciência que trata do habitat humano – está aí, com mais de um século de estudos e pesquisas, evidenciando a importância e a influência da habitação sobre a saúde, a paz, a harmonia, o equilíbrio psicossomático, a prosperidade, a alegria de viver e a felicidade dos seres humanos.
Mariano Bueno, em Grande Livro da Casa Saudável; António Rodrigues em Geobiologia Uma Arquitetura para o Século XXI; Bernard Baboneau em Traité de géobiologie; Jacques La Maya, em Tu Casa és Tu Salud e em Medicina da Habitação, entre outros, estão a evidenciar que é preciso morar bem para viver bem. Afinal, a casa é nosso ponto zero, onde vivemos a plenitude de nossa intimidade, onde procriamos e educamos, onde planejamos as ações de cada dia, construímos nossos melhores sonhos e para onde retornamos depois de um dia de trabalho, buscando encontrar nela um canto de repouso, tranquilidade, lazer, segurança e paz.
Para tanto, a morada precisa ser saudável e refletir o rosto e a alma de seus habitantes. Assim como os pássaros modelam seus ninhos, com maior razão, os humanos devem projetar seu habitat, com planejamentos cuidadosos, estudos específicos desde a natureza geológica do terreno, concepção do projeto arquitetônico, seleção do material de construção, decoração etc, de forma a lhes proporcionar harmonia, paz interior, alegria de viver prazerosamente, energia para o dia a dia, felicidade, vida com qualidade. Enfim, um espaço singular onde se possa curtir a família – a instituição mais sagrada da sociedade contemporânea, no entender do filósofo Luc Ferryin, em Aprender a Viver, de 2006 – e habilitado a acolher amigos e parentes, reforçar os laços com as pessoas queridas e ampliar a rede de relações.
Pois saber viver é, também, saber conviver, isto é, viver-com, viver em relação. Afinal, nenhum homem é uma ilha. Nenhum ser humano pode sentir-se feliz na solidão. Esse tem sido um aprendizado difícil para a humanidade. O líder Martin Luther King denunciava que “aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos”. Se a interação com outras pessoas é fundamental para uma vida feliz, também o é a interação com o espaço, com a natureza, o ambiente circundante. Por isso, as pessoas procuram um espaço onde possam, em segurança, caminhar, encontrar-se e se falar, sentir o verde das plantas e o perfume das flores, que produzam a efervescência típica dos lugares bons para se viver. Saber viver é saber morar numa casa sonhada, construída com arte, ciência e beleza, e isso não tem custos, constitui-se no maior investimento que a família pode fazer para desfrutar de uma vida longa, saudável e feliz.
Nem sempre o homem entendeu assim. As concepções apresentadas nos parágrafos anteriores refletem a evolução do homem em sua caminhada histórica, na busca incansável da felicidade. Basta observar as habitações antigas, ou mesmo as habitações do período medieval, ou se não quisermos estender os olhares para tempos tão distantes, vale rever as construções residenciais, ainda existentes em muitas cidades brasileiras, procedentes do período colonial. São casas conjugadas, longas, dormitórios sem ventilação, sem áreas de lazer, sem jardins e sem as condições que atualmente consideramos fundamentais para uma boa qualidade de vida.
Todavia, a história é movimento, a sociedade se transforma, o homem amadurece e evolui. Os povos da Europa Mediterrânea, os canadenses e americanos estão entre os pioneiros da revolução habitacional, entre os que descobriram a relação da habitação com a qualidade de vida. Anteciparam-se no ordenamento urbano na perspectiva humanista e na reserva de espaços adequados para a moradia de seus habitantes. Daí surgiram as casas isoladas, circundadas de belos jardins e projetadas para o atendimento das mais diversas necessidades humanas.
Evolução que chegou a Feira de Santana, cidade “bem nascida entre verdes colinas, sob o encanto do céu azulado”, no sentir de sua poetisa Georgina Erismann. No início, suas casas eram cobertas com palhas e as paredes eram de barro amassado, o piso era de terra batida com cimento. Apenas algumas casas, das famílias mais abastadas, tinham paredes levantadas com tijolos, cobertas com telhas e piso de mosaico ou madeira. As casas eram construídas em lotes, adquiridos, herdados ou doados pelo poder municipal. Depois surgiram os loteamentos, um modelo de planejamento urbano que possibilitava ao feirense erguer sua casa, conforme suas posses e visões, já com uma estrutura mínima de ruas, pavimentação, energia, água, com projeção para escola, centro comunitário e posto médico. Assim surgiram e cresceram os bairros, que se tornaram populosos, como Santa Mônica, Queimadinha, Parque Getúlio Vargas, Serraria Brasil, Tomba, Sobradinho, Mangabeira, Conceição, SIM, e tantos outros que hoje formam a grande Feira, cidade “bonita e formosa”, que se expande horizontalmente sobre as verdes colinas.
A partir da década de oitenta, porém, começam a surgir os primeiros prédios, as residências em apartamentos, como tentativa de verticalização, como aconteceu com muitas cidades brasileiras de porte médio e grande. Vários edifícios residenciais foram construídos e dão o toque de modernidade e beleza à nossa polis. Todavia, a verticalização não prosperou, ao menos com o dinamismo que se esperava. Constata-se que a opção do feirense, ao menos a tendência histórica da cidade, é pela horizontalidade. Haja vista o crescimento e expansão dos condomínios residenciais de casas, que prosperam em todas as direções da cidade, atendendo ao gosto de todas as classes sociais.
Convenhamos, isso é evolução, sabedoria, amadurecimento de um povo, porquanto a residência em condomínio fechado de casas oferece, indubitavelmente, condições mais amplas para obtenção de melhor qualidade de vida com privacidade, segurança, conforto, convivência humana, lazer e felicidade. Se saber viver é saber morar, a opção pela horizontalidade está correta, o povo feirense está no caminho.