Ao longo dos séculos, os azulejos ganharam inúmeras variações estéticas, sendo utilizados em diversos países europeus para a decoração de palácios, jardins, edifícios religiosos e outras construções públicas
por Isis Moraes
Utilizados desde a Antiguidade, no Egito e na região da Mesopotâmia, os azulejos chegaram à Península Ibérica no século XIV, através dos mouros. O oriente islâmico impulsionou a produção deste tipo de revestimento a partir do contato com a porcelana chinesa, técnica artística que se espalhou por países do Oriente Médio pela chamada Rota da Seda.
Artesãos mulçumanos fixados em solo espanhol criaram as primeiras oficinas em território europeu. Foram eles os criadores do azulejo mudéjar. De caráter geométrico e vegetalista, a técnica tornou-se típica e representativa daquela região.
Os azulejos espanhóis chegam a Portugal por influência do rei D. Manuel I. Em visita à Espanha, datada de 1498, o monarca ficou deslumbrado com a exuberância dos interiores dos prédios mouriscos. Decidiu, então, importar o revestimento das oficinas espanholas, a fim de construir sua residência à semelhança dos edifícios que viu em Saragoça, Toledo e Sevilha. O Palácio Nacional de Sintra, que serviu de residência ao rei, é, até hoje, um dos mais originais exemplos da azulejaria hispano-mourisca.
Ao longo dos séculos, a partir do contato com outros povos, os azulejos ganharam inúmeras variações estéticas, sendo utilizados em diversos países europeus para a decoração de palácios, jardins, edifícios religiosos e outras construções públicas, mas em nenhum outro lugar alcançou tamanho destaque e projeção artística quanto em Portugal. Neste país, os azulejos tornaram-se símbolo da expansão marítima e cruzaram os oceanos.
Trazidos pelos portugueses, os azulejos tiveram grande importância estética na arquitetura brasileira do período colonial. Amplamente difundido no passado, esse tipo de revestimento foi, pouco a pouco, perdendo o contorno artístico e transformando- se em um artefato meramente funcional.
Ainda que a versão artesanal e artística do azulejo tenha sobrevivido, sendo utilizada em pequena escala por artistas e arquitetos amantes da técnica e da função original, a produção em série e em escala industrial para emprego na construção civil popularizou o azulejo como peça isolante para ambientes hidráulicos e propensos à gordura, como banheiros e cozinhas. Confeccionados em cores básicas e, na maioria das vezes, sem estampas ou com motivos específicos, ligados à função atribuída, os azulejos deixaram de ser valorizados como adornos, perdendo um pouco da importância decorativa.
Na contemporaneidade, no entanto, esses revestimentos estão sendo cada vez mais valorizados, saindo dos ambientes mais reservados da casa para compor áreas externas e até mesmo ambientes como salas e varandas. O mercado atual oferece uma grande variedade de cores, texturas e estampas sofisticadas, com a finalidade de embelezar os mais diversos espaços residenciais e comerciais.
Uma técnica da azulejaria que voltou com força total foi o patchwork, que significa, em tradução literal, “trabalho com retalho”. O processo de confecção consiste na mescla de azulejos coloridos, de diferentes desenhos, e pode ser aplicado não apenas em cozinhas, como tradicionalmente se empregava no passado, mas também em áreas externas, para dar um ar retrô e um colorido especial a jardins e varandas gourmet. Segundo especialistas, é importante mesclar peças que dialoguem entre si, com cores que não entrem em desarmonia com o ambiente.
Azulejos aplicados em locais inusitados, como em degraus de escadas, molduras e painéis para salas de TV também estão em alta. Bastante utilizados nos anos 30 e 40, os ladrilhos hidráulicos são, igualmente, uma forte tendência do mercado atual. Disponíveis nas varias cores, estão sendo amplamente utilizados na composição de áreas de piscina, calçadas e garagens.
Mas se a intenção é agregar personalidade e exclusividade a um imóvel utilizando a azulejaria, a recomendação da arquiteta Josete Garcez é o investimento em peças e obras de arte confeccionadas de maneira artesanal por artistas plásticos. “Eu sempre gosto de inserir um pouco de arte nos meus projetos, porque confere personalidade, exclusividade e beleza, além de ser um investimento que ultrapassa, inclusive, o valor meramente comercial”, avalia.
Em Feira de Santana e em Salvador, a arquiteta trabalha em parceria com artistas renomados nacional e internacionalmente. “Em todos os meus projetos, busco a participação de um artista. Eles têm a capacidade de criar detalhes que, no fim, fazem toda a diferença na composição de um imóvel, seja ele residencial ou comercial. Muitos clientes meus têm trabalhos belíssimos assinados por Jorge Galeano, Juraci Dórea, Nanja Brasileiro e Eliezer Nobre”, relaciona.
Josete Garcez salienta que o mercado feirense está mais aberto à incorporação de obras de arte em projetos arquitetônicos. Segundo ela, as pessoas ainda tendem a resistir, sobretudo em função do valor desses artefatos, que, por serem artísticos, exclusivos e artesanais, acabam custando um pouco mais do que peças confeccionadas em série e de modo industrial.
“Muitos clientes que, inicialmente, não queriam incluir projetos artísticos no orçamento ficaram totalmente surpresos e imensamente felizes com o resultado, passando a ver a arte de uma maneira diferente. Então, também é papel do arquiteto apresentar essa possibilidade às pessoas, porque elas não têm a obrigação de entender de arte. Creio que esse tipo de iniciativa é fundamental, porque contribui para difusão do conhecimento, da arte e da cultura”, analisa.
De acordo com Josete, uma ótima opção de inclusão de obras de arte em ambientes residenciais é o mosaico. “Gosto muito das obras de Nanja, Galeano e Eliezer. Eles confeccionam painéis esplêndidos. Tenho uma mandala linda de Nanja na área externa da minha casa. Gosto muito de arte. Arte não é apenas algo para ver e achar bonito. Arte é muito mais do que um adorno. Não é para combinar com o seu sofá, é para combinar com seu espírito. Arte inspira. Fico sentida por nossa população ser tão empobrecida do ponto de vista educacional e artístico. Espero que isso mude um dia”, almeja.
Artista plástica há 40 anos, Nanja Brasileiro disse que começou a fazer mosaicos há cerca de 15 anos, pela necessidade de experimentar técnicas novas, inquietação natural de todo artista. Hoje ela divide o tempo entre a pintura tradicional, sobre tela, a pintura em cerâmica e o mosaico. Com trabalhos instalados em vários pontos da cidade e também em Salvador, ela diz que, além de mandalas, confecciona painéis, calçadas, fachadas e muros.
A casa da artista, que trabalha em parceria também com outros arquitetos, a exemplo de Ana Cristina Monteiro, é uma verdadeira obra de arte, com mosaicos majestosos, aplicados em vários espaços, inclusive em móveis, como mesas e banquetas. “Todo o trabalho é artesanal. Não uso ferramentas industriais, por isso é uma técnica muito árdua. Além disso, ainda tem a dificuldade de encontrar as cores, que são muito limitadas. Mas o resultado é sempre gratificante. Em geral, uma peça leva em torno de cinco a oito dias para ficar pronta”, ressalta.
O valor de um mosaico é cobrado por metro quadrado, mas, segundo Nanja, ainda é muito aquém do que realmente uma obra como essa vale. “Se fosse vender um trabalho pelo que ele realmente vale, seria inacessível. Dependendo do tamanho, muitas vezes chego a reduzir o valor do metro quadrado, mas, mesmo assim, o mercado aqui em Feira é difícil. Há uma tendência em se valorizar o que vem de fora. Lamento que seja assim, porque temos artistas magníficos atuando na cidade, inclusive trabalhando com azulejaria”, observa.
Jorge Galeano, além de ser um aquarelista vigoroso e de confeccionar mosaicos imponentes, como o que reveste a fachada e parte do interior da Capela de Nossa Senhora do Carmo, localizada no bairro Serraria Brasil, trabalha com releituras do tradicional azulejo português, confeccionando peças primorosas totalmente em azul, como os originais, cuja nomenclatura deriva exatamente dessa coloração.
“É um trabalho complexo e delicado. O ideal seria comprar azulejos de terracota branca sem vitrificação, porque teria uma liberdade de criação absoluta, em termos de pintura com aquarela, sendo necessário vitrificar somente após a peça pintada. Mas como não consigo essas pastilhas aqui, compro azulejos já vitrificados, diluo a tinta com açúcar impalpável, o que vai facilitar afixação e a secagem. Pinto e levo ao forno para queimar a uma temperatura de 750 graus. A queima faz com que a vitrificação derreta, permitindo que o desenho penetre e se fixe no azulejo. Depois de seco, fica parecendo que tem um vidro por cima”, detalha.
O artista plástico argentino, que está radicado em Feira de Santana há mais de 20 anos, disse que também atua em parceria com os arquitetos Ana Cristina e Nilo Teixeira, confeccionando telas, mosaicos e painéis de azulejos. “É a melhor forma de se trabalhar hoje, porque já recebemos o projeto pronto, o que permite uma melhor acepção da obra que vamos executar”, avalia.
Segundo Galeano, em geral, o cliente define um tema com o arquiteto, e a partir dessa ideia é que ele cria o desenho. “Uma vez fiz um painel com tema gastronômico para uma varanda gourmet e tive a ideia de ilustrar os azulejos com receitas. Desenhei letrinha por letrinha. Um trabalho imenso, mas gratificante. Sempre tentei fazer coisas que outras pessoas não faziam. Então, são peças totalmente personalizadas e exclusivas. Nenhuma é igual à outra. É um trabalho realmente fascinante, embora difícil de se fazer, porque a aquarela não permite erros. Se errar, tenho que limpar tudo e começar de novo”, explica, ressaltando que, em função disso, um trabalho artesanal dessa natureza nunca é caro, afinal é único e confere sofisticação e requinte a qualquer ambiente.
Matéria publicada na versão impressa da revista Sacada.