A Lepra no Brasil: Sua Relação com o Consumo de Carnes Silvestres e com o Desmatamento

Dia 30 de janeiro é o dia nacional de combate e prevenção da Hanseníase. 

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Dia 30 de janeiro é o dia nacional de combate e prevenção da Hanseníase. E por qual motivo é importante lembrarmos sobre esta doença? Você sabe? Eu não sabia até ler as postagens de um médico dermatologista dedicado também à saúde da família. A Hanseníase, popularmente chamada de lepra, é mais comum do que podemos imaginar aqui no Brasil, infelizmente. A Hanseníase é uma doença infecciosa grave tendo mais de 200 mil novos casos notificados anualmente, embora seja curável com medicamentos. De acordo com o último registro epidemiológico publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Sudeste Asiático e as Américas são as áreas mais afetadas pela doença, sendo que a Índia, o Brasil e a Indonésia respondem a 80% do total de casos registrados (RODRIGUES et al., 2020; WHO, 2018). Se considerarmos apenas as Américas, aproximadamente 94% dos casos notificados neste Continente ocorrem no Brasil (BRASIL, 2000). Entre 2011 e 2013, a OMS avaliou o nosso país abrangendo 621 municípios, localizados principalmente em Mato Grosso, Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Rondônia e Bahia. Tais Estados, apesar de corresponderem a apenas 14% da população brasileira, representaram 44% dos casos novos diagnosticados em 2013 (WHO, 2013).

Os pacientes adoecidos com Hanseníase são considerados a principal fonte de infecção crônica desta doença visto serem reservatório natural da bactéria Mycobacterium leprae ou Mycobacterium lepromatosis (ARAÚJO, 2003). Há relatos e pesquisas científicas, contudo, de animais selvagens naturalmente infectados como os tatus e os macacos (OLIVEIRA; DEPS; ANTUNES, 2019; WALSH; MEYERS; BINFORD, 1986). É justamente sobre a relação da Hanseníase com os animais silvestres que eu quero abordar para você, caro leitor!

No Brasil, a caça de animais silvestres é ilegal não apenas por causa da redução populacional dos bichos ou da extinção destes ou até mesmo por perda de serviços ecossistêmicos (o controle de pragas e vetores de zoonoses são exemplos) que os animais nos ofertam. O risco altíssimo também é para a saúde humana porque a atividade da caça em si e o consumo de carnes de animais silvestres, por exemplo, podem transmitir zoonoses para humanos e para outros animais inclusive (FERREIRA; BARROS, 2020) podendo ser a causa de muitas mortes de populações humanas (ALLEN et al., 2017; JONES et al., 2013).

Outra estatística lamentável produzida na pesquisa conduzida por SILVA (2010) e colaboradores foi a associação do coeficiente de detecção de hanseníase (CDH) com os indicadores de condição de vida e modo de ocupação territorial na Amazônia brasileira. Isto significa dizer que o desmatamento da floresta para estabelecer os assentamentos humanos, para pavimentação de estradas e o plantio de commodities em grandes áreas, por exemplo, contribuíram para a ampliação dos casos de hanseníase nas microrregiões pesquisadas. Nesta pesquisa o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apresentou comportamento inverso ao CDH, portanto quanto maior o IDH, menor o CDH (SILVA et al., 2010).

As poucas espécies que conseguem sobreviver nestes ambientes alterados e mais simplificados por causa do desmatamento, por exemplo, se tornam dominantes porque não há tanta por alimento e abrigo. E são justamente estas espécies dominantes que carregam patógenos, tornando-se hospedeiras e vetores de doenças. Tais ambientes alterados, quase sempre próximos às bordas de mata com pequenos rios utilizados como fonte para alimentação e banho de animais silvestres, são ideais para o surgimento de uma doença zoonótica. São nestas fronteiras que ocorre o “spillover” – transbordamento em 2 inglês – de um patógeno de um animal para um ser humano, fenômeno comum em diversas florestas tropicais na Amazônia, na África subsaariana e no Sudeste Asiático (LAPORTA; PRIST, 2020).

Algumas doenças zoonóticas podem ser contidas no contexto de populações urbanas e rurais evitando-se o consumo de carnes silvestres, o desmatamento de florestas e o estabelecimento de melhores condições de habitação e saneamento básico nos assentamentos humanos.

Referências Bibliográficas

ALLEN, T. et al. Global hotspots and correlates of emerging zoonotic diseases. Nature
Communications, v. 8, n. 1, p. 1124, 24 dez. 2017.

ARAÚJO, M. G. Hanseníase no Brasil Leprosy in Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 36, n. 3, p. 373–382, 2003.

BRASIL, M. DA S. Diretrizes Nacionais para a Elaboração de Programas de Capacitação para a Equipe de Saúde da Rede Básica Atuar nas Ações de Controle da Hanseníase. Brasília, DF: [s.n.].

FERREIRA, J. M.; BARROS, N. DE M. O TRÁFICO DE FAUNA SILVESTRE NO BRASIL E SEUS IMPACTOS. Revista de Direito Penal e Processo Penal, v. 2, n. 10, p. 76–100, 30 out. 2020.
JONES, B. A. et al. Zoonosis emergence linked to agricultural intensification and environmental change. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 110, n. 21, p. 8399–8404, 21 maio 2013.

LAPORTA, G. Z.; PRIST, P. R. A relação entre zoonoses e o meio ambiente explicada
em 6 pontos. Disponível em: Acesso em: 5 fev. 2022.

OLIVEIRA, I. V. P. DE M.; DEPS, P. D.; ANTUNES, J. M. A. DE P. Armadillos and leprosy: from infection to biological model. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, v. 61, n. May, p. 1–7, 2019.

RODRIGUES, R. N. et al. High-risk areas of leprosy in Brazil between 2001-2015. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 73, n. 3, p.https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/2, 2020.

SILVA, D. R. X. et al. Hansen’s disease, social conditions, and deforestation in the Brazilian Amazon. Pan American journal of public health, v. 27, n. 4, p. 268–75, 2010.

WALSH, G. P.; MEYERS, W. M.; BINFORD, C. H. Naturally Acquired Leprosy in the Nine-Banded Armadillo: A Decade of Experience 1975-1985. Journal of Leukocyte Biology, v. 40, n. 5, p. 645–656, nov. 1986.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Leprosy elimination Cluster analysis of the overall detection rate of leprosy in Brazil for the triennium 2011-2013. Genebra: [s.n.].

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global leprosy update, 2017: reducing the disease burden due to leprosy – Situation de la lèpre dans le monde, 2017: reduction de la charge de morbidité due à la lèpre. Wkly. epidemiol. rec, v. 93, n. 35, p. 445–456,
2018.

Soraya Carvalhedo Honorato*

Diretora-Executiva do Instituto Sucupira de apoio à Pesquisa e Ensino em Ecologia e Agricultura: serviços ecossistêmicos.
Empreendedora Rural na Fazenda Sucupira.
Engenheira Florestal, Universidade Federal de Viçosa – UFV.
Mestre em Ciências Ambientais, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
Doutoranda em Ecologia: Teoria, Aplicação e Valores, Universidade Federal da Bahia – UFBA.
Membro do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação – LEAC/UESC
Aperfeiçoamento no Land Policy for Sustainable Rural Development, International Center for Land Policy Studies and Training, Taiwan, República da China.

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