As ONG’s e as baleias: O que você ganha com isso?

Artigo Soraya Carvalhedo Honorato*

Quem nunca ouviu falar de alguma Instituição, Organização ou Projeto que adote como símbolo um “bichinho fofo”? Uma baleia? Uma tartaruga? Um boto? Um urso panda? Aposto que até os incrédulos se encantam. Ao menos com os bichos de pelúcia destas Instituições, certo?

Em algum momento da vida soube da discussão entre um padre e um funcionário de uma organização não governamental (ONG) ambientalista. O padre, com toda a sua humanidade, muito antes de ocupar a batina de sábio líder religioso, em um diálogo de corredor, elevou a importância do próprio trabalho institucional em desfavor do trabalho daquela ONG. Afinal, a ONG cuida somente daquele bicho, certo? Errado, Vossa Senhoria! Posso explicar.

Assim como esta, muitas organizações idôneas prestam relevantes serviços de natureza socioambiental, repassando doações que recebem de pessoas físicas e jurídicas. Andam com pesos nos ombros em trilhas de formiguinhas! Quase silenciosas! Distribuem doações, por meio de seleções rigorosas e técnicas, para que consultores, voluntários, pesquisadores, agentes de educação ambiental, professores, líderes comunitários e associações, pratiquem o ensino, a pesquisa e a extensão. Os recursos são muito concorridos. Afinal, o dinheiro para tal é um grão de areia em um infinito oceano de demandas e de ordem de prioridade planetária! Não raras às vezes, para serem aplicados em lugares remotos: comunidades rurais, estuarinas, ribeirinhas. Onde por muito, o Estado, a Igreja, a Polícia, as Instituições Financeiras não são muito frequentes. Por vezes, até ausentes! Todo esforço é na esperança de contribuir para a conservação e para a sustentabilidade dos biomas, das pessoas, da vida. Sacaram?

A história contada foi uma deixa para lhes dizer que estas Instituições, estes Projetos, estas Pesquisas não se resumem, de forma alguma, e sob nenhuma hipótese, tal qual se equivocou o amoroso pároco, apenas, à conservação da baleia, ou da tartaruga, ou do urso panda, ou do boto, ou da floresta, ou mesmo do inseto em si!

O “bicho” é apenas um símbolo de toda e qualquer imensa cadeia de interações, reações químicas e físicas e serviços (nichos) no ambiente em que estas espécies estão envolvidas! E perturbações antrópicas que nos parecem irrelevantes nas populações das baleias atingem frontalmente a saúde da humanidade. Você quer descobrir?

Então vamos falar sobre as baleias, os serviços que nos prestam e quanto valeriam, no mercado financeiro, os tais serviços ecossistêmicos que elas nos legam, se tivéssemos que pagar.

Quando tratamos de estratégias para aprisionar o excedente de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, responsável pelo aquecimento global além de limites prudenciais para a humanidade, uma baleia tem a sua devida importância!

Pesquisas recentes descobriram que uma grande baleia sequestra 33 toneladas de CO2 em média. Estes gigantes mamíferos trazem minerais do fundo dos oceanos para a superfície da água com seus simples movimentos ou com seus dejetos, fertilizando as populações de fitoplâncton. Tais organismos microscópicos, por sua vez, contribuem com aproximados 50% de todo o oxigênio (O2) que respiramos e também capturam em torno de 37 bilhões de toneladas métricas de CO2 correspondentes a 40% de todo o CO2 presente no nosso planeta . Chami e colaboradores (2019) recalcularam estas dimensões em perspectiva e concluíram que toda esta quantidade de CO2 aprisionada por fitoplânctons equivaleria à quantidade do mesmo gás capturado por 1,70 trilhão de árvores, correspondente a quatro florestas amazônicas. Nestes termos, o aumento de 1% na produtividade do fitoplâncton, considerando a atividade das baleias, capturaria centenas de milhões de toneladas de carbono por ano ou o equivalente a 2 bilhões de árvores maduras .

Ainda, as baleias também atuam como sumidouro de carbono. Por exemplo, Lavery e colaboradores (2010) descobriram que as populações de 12.000 cachalotes (Physeter macrocephalus) do Oceano Antártico exportam de 4 × 105 toneladas de carbono por ano para o oceano profundo e respiram apenas metade no mesmo período . Assim, as baleias ”enterram” carbono no fundo do oceano, reduzindo mais CO2 na atmosfera.

O respeitado Projeto Baleia Jubarte (Megaptera novaeangliae) e Instituições parceiras valoraram o preço de uma grande baleia no Brasil dados seus serviços ecossistêmicos e chegaram a 2 milhões de dólares por indivíduo, totalizando 82,5 bilhões de dólares apenas na população brasileira e mais de um trilhão de dólares no estoque atual de todas elas no planeta. No turismo, estes maravilhosos mamíferos movimentam 6 milhões de dólares por ano nas águas brasileiras e até 2 bilhões de dólares em outros 130 países . Os valores são tão grandiosos quanto a sua importância para a saúde humana!

Afinal queridos leitores, em diálogo com um incrédulo acerca da importância das instituições aqui descritas e dos “bichos”, qual discurso está na ponta da sua língua?
Um argumento que nunca deve faltar nestes diálogos é: Nenhum “bicho” está na natureza por acaso. Ele tem uma missão. O único ser vivo (“bicho”?) que se dá ao luxo de não trabalhar é o ser humano!

* Soraya Carvalhedo Honorato

Diretora Executiva do Instituto Sucupira de apoio à Pesquisa e Ensino em Ecologia e Agricultura: serviços ecossistêmicos, Empreendedora Rural na Fazenda Sucupira, Engenheira Florestal, Universidade Federal de Viçosa – UFV, Mestre em Ciências Ambientais, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Doutoranda em Ecologia: Teoria, Aplicação e Valores, Universidade Federal da Bahia – UFBA, Membro do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação – LEAC/UESC, Aperfeiçoamento no Land Policy for Sustainable Rural Development, International Center for Land Policy Studies and Training, Taiwan, República da China.

Referências Bibliográficas

ROMAN, Joe et al, Whales as marine ecosystem engineers, Frontiers in Ecology and the Environment, v. 12, n. 7, p. 377–385, 2014.

CHAMI, Ralph et al, Nature’s Solution to Climate Change, Finance and Development, v. 56, n. 4, p. 34–38, 2019.

LAVERY, Trish J. et al, Iron defecation by sperm whales stimulates carbon export in the Southern Ocean, Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, v. 277, n. 1699, p. 3527–3531, 2010.

CHAMI et al, Nature’s Solution to Climate Change.

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