Artigo Soraya Carvalhedo Honorato*
Sempre me angustio quando tenho a impressão de que grande parte da humanidade não têm noção de que a origem do Covid-19 está totalmente relacionada à perda de cobertura florestal, ao consumo humano de animais silvestres, à agricultura de monocultivo em grande escala, aos grandes criatórios de animais para produção de carnes, ovos, leite e derivados, às mudanças climáticas provocadas pelo homem, entre outros. É o que sinalizam as pesquisas científicas mais recentes, publicadas em revistas de alto impacto.
Doenças zoonóticas e infecciosas como a síndrome de imunodeficiência humana adquirida (HIV), a síndrome respiratória aguda grave (SARS), a malária, a febre amarela, as gripes suína e aviária dentre outras, resultaram do modo como são exercidas as atividades econômicas e dos distúrbios nas interações ecológicas provenientes delas .
Em minha trajetória, enquanto doutoranda em ecologia, estive ministrando aulas para estudantes de graduação e secundaristas em áreas correlatas à biodiversidade. Descobri que muitos daqueles alunos não entendem verdadeiramente o sentido da existência dos animais, das plantas e, por consequência, dos serviços que estes prestam para a humanidade. E tenho percebido, também, que poderosos tomadores de decisão, estratégicos nos poderes legislativo, executivo e judiciário/ministério público, não relacionam as suas sobrevivências com os serviços que a fauna e a flora lhes prestam, tanto quanto da imprescindibilidade destes na garantia das vidas sobre a terra.
Desapercebem-se, por exemplo, da fundamental importância dos morcegos, das aves e dos insetos como agentes polinizadores ou como controladores de pragas para manter os estoques dos alimentos humanos e a economia . Também das funções exercidas por estes animais, por grandes e pequenos mamíferos, na condição de dispersores de sementes de vegetação nativa, para reflorestar e contribuir na manutenção do estoque de água doce. E isto é trágico!
Devagarinho, a conta-gotas, aqui, vocês entenderão os motivos para conservar a fauna e a flora. A proposta do Instituto Sucupira, neste espaço, é fazer você entender o que as florestas, as caatingas, as algas marinhas, as baleias, os ursos-pandas, as girafas e os lobos-guará têm a ver com a sua vida, com o seu dia-a-dia.
Todo e qualquer ser vivo que está na natureza, de algum modo, serve, direta ou indiretamente, ao bem-estar da humanidade. Os bichos e as plantas, caso não exerçam com eficiência suas funções e atividades em seus nichos, simplesmente são eliminados na natureza por seus pares competidores ou por parasitas ou mesmo, por predadores. Vencem e perpetuam-se os mais aptos na luta pela sobrevivência. É a seleção natural regulando a coexistência para a continuidade das espécies.
É para pesquisar e explicar os serviços ecossistêmicos ofertados por florestas que o Instituto Sucupira foi criado e tem razão de ser. A missão do Instituto Sucupira , portanto, é responder perguntas relativas às interações ecológicas entre estes ecossistemas naturais (florestas, rios, várzeas, por exemplo) e a agricultura, praticada na Fazenda Sucupira e áreas contíguas, inicialmente na mesma paisagem. Precisamos entender quais serviços a biodiversidade das florestas oferece para a manutenção da agricultura, por exemplo.
O Instituto Sucupira, sediado no baixo sul da Bahia, está imerso em grandes fragmentos de floresta atlântica, em estágio de regeneração natural avançado, compondo uma paisagem microrregional servida de muitas matas, restingas, manguezais e o mar da Baía de Camamu.
Nesta janela, o Instituto Sucupira e a Revista Sacada trarão uma fração dos milhares exemplos de serviços ecossistêmicos que a biodiversidade oferece para você, para sua família, para os seus descendentes.
Como pequena amostra, destaco aqui que aves e morcegos podem atuar como agentes biológicos eficientes no controle de pragas na agricultura. Pesquisas recentes verificaram aves consumindo até 500 milhões de toneladas de insetos por ano . E apenas sete espécies de morcegos sendo capazes de consumir até 728 espécies de presas, as principais pragas de artrópodes das plantações de algodão na Austrália . Análises recentes sugeriram que a extinção de morcegos na América do Norte poderia levar a perdas agrícolas estimadas de mais de US$ 3,7 bilhões por ano . Similarmente, estudos no sul da Bahia mostraram que a presença de pássaros e morcegos nas plantações de cacau dentro das florestas reduz a abundância de artrópodes herbívoros, diminuindo os danos às folhas do cacaueiro .
As minhas atividades de empreendedora rural, estudante de doutorado e diretora do Instituto Sucupira me obrigam constantemente a transitar em estradas perigosas. Agora menos, por causa da pandemia.
Quando viajo, nunca tenho certeza se volto. Ao me despedir, delego cochichando no ouvidinho atento da minha pequenina filha: você cuida de nossas florestas pra mamãe? Ela entende e me abraça emocionada.
Antes de seus filhos adormecerem no sono noturno, lhes atribuam porções de compromisso amoroso com a perpetuação da vida. Cochichem aos pés dos ouvidinhos os seus amores por eles, e deles para os seus descendentes: Filhos! Cuidem das nossas florestas!
* Soraya Carvalhedo Honorato
Diretora Executiva do Instituto Sucupira de apoio à Pesquisa e Ensino em Ecologia e Agricultura: serviços ecossistêmicos, Empreendedora Rural na Fazenda Sucupira, Engenheira Florestal, Universidade Federal de Viçosa – UFV, Mestre em Ciências Ambientais Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Doutoranda em Ecologia: Teoria Aplicação e Valores – Universidade Federal da Bahia – UFBA, Aperfeiçoamento no Land Policy for Sustainable Rural Development, International Center for Land Policy Studies and Training, Taiwan, República da China.
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