Sob os traços de Reis Netto

Arquiteto carioca foi o mentor das normas de arquitetura e dos planos urbanístico e de ocupação do solo da Praia do Forte

Foto: Diogo Brasileiro / arte: Libre Comunicação

Ao subir as ruínas do Castelo Garcia D’Ávila para apreciar a paisagem, o empresário paulista Klaus Peters avistou a fazenda Praia do Forte pela primeira vez. Era o ano de 1969 e o terreno estava à venda. Visionário e apaixonado pela natureza Peters percebeu que poderia realizar naquele pedaço de paraíso o sonho de criar um polo turístico sustentável. Antes de morrer, em 2011, o empresário viu a vila se tornar um dos destinos mais visitados do país.

O objetivo de Peters era que Praia do Forte não virasse uma nova São Sebastião, município a aproximadamente 300 quilômetros da capital paulista. “Destruíram São Sebastião, mas aqui não tenho que convencer ninguém”, diz o empresário no livro Assim Nasceu o Projeto Tamar, de 2001. Peters comprou as terras, compostas por coqueirais, Mata Atlãntica, vegetações de restinga e uma aldeia de pescadores. “É meu e vou fazer o que eu acho que deve ser feito”, afirma a publicação.

Após comprar a fazenda, Klaus Peters tocou um plano de desenvolvimento com projetos arquitetônicos e urbanísticos que respeitavam a cultura do povo local e a preservação dos recursos naturais. Logo, o sonho de Peters atraiu visitantes de todo o mundo.

Arquitetura

Para criar toda a concepção arquitetônica e os planos urbanístico e de ocupação do solo, o novo proprietário da então Fazenda Praia do Forte contou com o amigo e arquiteto carioca Wilson Reis Netto. O profissional já havia feito diversos projetos para o empresário em São Paulo. Foi membro da equipe de Oscar Niemayer na construção de Brasília e pós-graduado em Arquitetura Tropical pela Universidade de Paris.

Um dos maiores desafios do arquiteto para conceber a identidade urbanística da Praia do Forte foi conciliar a sofisticação de um público exigente, com a simplicidade da vila de pescadores, mantendo a concepção preservacionista.

Os dois viajaram ao redor do mundo para buscar inspiração em diversos polos turísticos e mergulharam no cotidiano da aldeia de pescadores para conhecer a fundo os moradores tradicionais e o estilo de vida deles.

Como resultado da pesquisa, o arquiteto deixou como legado construções marcantes da Praia do Forte, a exemplo do hotel Robinson Club, primeira bandeira do atual Tivoli Ecoresort Praia do Forte Bahia, de 1984; da antiga Pousada Praia do Forte, de 1982; do Solar dos Arcos, primeiro residencial da localidade e concebido a partir do casarão dos Arcos, de 1992; além de dezenas de casas, condomínios ruas e praças.

“Wilson era criativo, inquieto e muito estudioso. Para projetar o Robinson Club, por exemplo, além de todas as pesquisas, das suas próprias inspirações e das ideias do Klaus, ele teve ainda a sensibilidade de assimilar a influência dos alemães, a quem pertencia a bandeira hoteleira”, explica o empresário José Carlos Santos, que trabalhou com Netto entre as décadas de 1970 e 1980 e foi corretor de imóveis de Peteres por 25 anos. “Era perceptível que nenhum empreendimento gerava tanto carinho e ocupava tanto o tempo de Wilson como Praia do Forte”, explica Santos.

O arquiteto e amigo do projetista de Praia do Forte Alberto Bolzico descreveu o legado do carioca no prefácio do livro Em Torno da Arquitetura, de Netto, lançado em 1994. “As obras sempre estiveram no lugar, através dos tempos, esperando, invisíveis. Só ele as vê – e usa então a tal tinta misteriosa para que elas se transformem em prodígios visíveis para os olhos de todo mundo”.

Fazenda começou com cultivo intenso de coco na década de 1940

A notícia da compra da fazenda Praia do Forte por Klaus Peters foi divulgada entre os moradores da vila de pescadores, segundo a professora aposentada Raimunda Queiroz, em julho de 1970. Klaus, o irmão Manfred Peters e o empresário Mário Barbosa Ferraz compraram dos descendentes do Coronel Otacílio de Souza Nunes, que, por sua vez, adquiriu as terras em 1922, junto ao ex-governador da Bahia Regis Pacheco.

O Coronel Otacílio deu início ao cultivo de cerca de 60 mil pés de coco e implantou um programa de mudas selecionadas entre as décadas de 1940 e 1950, de acordo com a pesquisadora Lirandira Sobrinho, na dissertação de mestrado ‘Em busca do paraíso: A (eco)lógica, a gestão do território e o turismo de Praia do Forte – Bahia’.

A autora afirma que também existiam cerca de 300 rendeiros na propriedade, que pagavam uma taxa anual de moradia e roça para o cultivo de mandioca. Otacílio Nunes morreu em 1939 e a partir daí começou a decadência financeira da família Nunes de Souza, que possuía ainda na região as fazendas Camurujipe e Covão da passagem Grande.

Estudos apontam que durante a compra da Fazenda Praia do Forte por Otacílio Nunes, a vila situava-se na região do Porto de Baixo, entre o condomínio Porto da Baleia e o Tivoli Resort. Na coletânea Recordações históricas, publicada em 2007, o escritor Brás do Amaral descreve o antigo povoado, em um relato sobre uma visita à região, em 1910.

Amaral classifica a aldeia como “Povoação da Praia do Forte”, “Porto da Torre” e “Porto do Assu (sic) da Torre” e o referido porto como Enseada da Tatuapara, como ainda é conhecido o local. A povoação tinha cerca de 300 casas, cobertas de palha de coqueiro na sua maioria, construídas sobre uma superfície plana, e tinha ruas largas, com chão de areia branca.

Segundo o autor, os habitantes chegaram ao lugar na época da guerra pela Independência do Brasil. “O porto não é grande, tem duas entradas; uma é propriamente uma barreta onde só transitam canoas e a outra é uma barra que dá passagem a barcos de pequena tonelagem”, descreve. O historiador também fala no livro sobre a beleza imponente do coqueiral que beirava a baía e se estendia do extremo norte até a ponta do mangue.

Por Yodan Bosco, jornalista e autor do livro “Praia do Forte – uma viagem ao outro lado do paraíso”

Matéria publicada na revista impressa da Sacada edição especial Praia do Forte

Leia também

Em destaque